segunda-feira, dezembro 16, 2013

POBRE É UMA MERDA

Antes que você fique indignado com o título da postagem pense um pouco sobre a seguinte questão: "Quem em sua sã consciência vai falar fazer críticas aos pobres ou a qualquer coisa que os ajude?"

O presente texto não visa culpar os pobres nem torná-los vítimas, o que se quer aqui é avaliar qual o papel que as classes menos favorecidas acabam tendo que assumir diante das estratégias políticas de hoje. E de como essas estratégias acabam criando um novo tipo de pobreza.

Ora, os pobres são a parte mais frágil e preocupante da sociedade, e justamente por isso são transformados em capital (substância material a qual se atribui algum valor) sobretudo quando o interesse é político-eleitoral ou resumindo, quando o interesse é o poder. 

Nesse sentido é necessário uma análise, mesmo que esta inclua a pobreza não apenas como um fato social o qual devemos nos preocupar, mas como uma peça de importante valor no jogo político.
 
Assim, o presente texto tenta expor como os pobres estão servindo como elementos  fundamentais no processo de obtenção e manutenção do poder politico de  gestão do estado que vigora a todo vapor no Brasil. Vale lembrar que o texto pretende abir um espaço para uma discussão sobre essa questão, aproveitando o espaço virtual e seus desdobramentos reais para tecer argumentos coerentes que se distanciam dos argumentos raivosos de uma pseudo-nova-direita que tem se feito muito presente.

O Programa Bolsa Família, que visa em última análise acabar com a extrema pobreza no Brasil, é efetuado pelo governo federal e gera inegavelmente um grande benefício  aos nossos irmãos brasileiros, mas é também uma jogada política  perfeita pois além de ajudar os mais pobres (e realmente ajuda, pois no mundo do consumo o governo tem ajudado a criar  consumidores), cria para o governo uma blindagem  contra críticas, pois como eu disse no começo: criticar um beneficio social não basta bons argumentos, é preciso ter coragem, pois hoje, qualquer argumento questionador que se faça, por mais leve que seja,  já o enquadra no espaço reservado ao "vilão reacionário de direita", espaço esse defendido pelos raivosos de uma pseudo-nova-esquerda. É que o espaço de discussão política inteligente em nosso país está cada vez mais sem oxigênio, pois em todo lugar existem reacionários, seja de pretensa esquerda ou pretensa direita que inviabilizam qualquer tentativa de  lucidez.

Aqui cabe separar as coisas, quando se fala do benefício não estamos falando do beneficiado, pois inegavelmente era inaceitável chegarmos ao séc XXI com aquela enorme faixa de pobreza que havia nos anos 80 e 90 em nosso país, além disso, é papel do estado incluir as pessoas que dele fazem parte, até mesmo para fortalecê-lo. 

E é sobre essa inclusão que vamos falar agora, não a inclusão estatística, mas a inclusão de fato, aquela que permite você não só escolher qual prato de comida ou qual roupa comprar mas que permite, pela processo de educação que você passou e pelos conhecimentos que adquiriu ao longo desse trajeto, escolher posicionamentos políticos para seu país. 

Estamos vivendo os primeiros passos do séc XXI, e  ainda existem várias décadas pela frente, décadas que serão vivenciadas pelas gerações que deveriam estar AGORA recebendo formação educacional, cultural e formal (científica), mas que hoje são mais consideradas pontos estatísticos escamoteados do que seres humanos. Se houvesse mais cuidado, com a pessoa em si, e não com a estatística, haveria menos pobreza. Pois é engano achar que dar dinheiro ao pobre faz com que ele deixe de ser pobre. Cá entre nós, pobreza é muito mais do que não ter dinheiro. 


Obviamente é da educação que eu estou falando. Ela é um direito básico, mas curiosamente não vemos movimentação das Ongs dos Direitos Humanos em relação a isso, apoiando os professores nas ruas, por exemplo. Talvez porque politicamente isso é algo inviável, afinal os movimentos dos Direitos Humanos tem outras prioridades em suas agendas, mas falham por não exigir educação de qualidade, uma vez que em tese uma boa educação em nosso país iria resolver boa parte desses problemas que hoje são enfrentados, como por exemplo essa questão da maioridade penal. Se o jovem tivesse desde de sua infância uma educação séria mesmo (e apenas baseada em estatísticas) certamente (creio eu) não adentraria no mundo do crime, porque não estaria desde cedo à margem da sociedade. Quem é professor entende o que eu estou falando, mas creio que outras pessoas podem entender isso também. 

Daí eu me deparo com isso no UOL: 

"Adeptos do chamado "funk de ostentação", são em geral garotos pobres tentando forçar a entrada no mundo do consumo, fingindo-se de íntimos do luxo."  


Isso é a prova de que há um enorme descompasso nessa inclusão defendida pelo governo, uma vez que este foca na inclusão via consumo e não na inclusão via educação e cultura. Sob o argumento de que é necessário acabar com a pobreza, cria-se um mecanismo de fortalecimento do consumo e de quebra uma indústria do endividamento. O que é interessante disso é que palavras como: consumo, lucro e endividamento fazem parte do livro de receitas do capitalismo liberal, aliás, o indivíduo perfeito para o capitalismo é justamente esse que está sendo criado e mantido pelo governo: o burro, o ignorante mas com dinheiro. Pois compra sem questionar o real significado e valor do seu objeto de compra.

O que me faz lembrar de uma aula do Prof. José Alcimar, onde ele lembrava o porquê do PROCON ser uma instituição que tem pleno funcionamento com uma demanda inesgotável em toda época do ano, sua explicação baseava-se no dado certeiro de que o cidadão só se vê como tal se for um cidadão de consumo, ou seja, o Direito do Consumidor está, como prova as imensas filas do órgão, acima dos demais direitos, até mesmo o da Educação de qualidade. É facil ver alguém indignado com sua operadora de celular, mas é dificil ver alguém reclamando do sistema educacional e de sua importância. É fácil ver alguém reclamar de uma produto de consumo e é raro ver alguém reclamar de direitos universais.

Isso pode ser um indício de que nosso país está entregue à ignorância, à barbárie. Mesmo sendo um país rico, é um país que não sabe o que quer. Porque não existe aqui projetos para daqui 50 anos, tudo é "feito nas coxas", visando a proxima eleição, ou seja, não há projeto de país e sim projeto de poder e isso gera um paradoxo: poder é tudo e nada ao mesmo tempo. Como assim? Com poder você tem como viabilizar projetos, ideias, planos, etc. Poder sem projetos, planos e afins é poder pelo poder ou seja, nada. É a vontade pura que se altera a cada manhã, a cada segunda feira a cada início de mês. É uma vontade que quer mas não sabe o que quer e quando questionada cita Marx, Maquiavel ou Smith dependendo do lado que acredita estar, mas na verdade não está em lugar nenhum a não ser presa dentro de si mesma. 

Sobre a enorme faxia de pobreza que havia nos anos 80 e 90 citada anteriormente, cumpre reconhecer que ela diminuiu, mas ainda é persistente e tende agora a ficar mais forte graças agora a um novo tipo de pobre: o pobre com poder de consumo e a produção cultural de hoje é um ótimo termômetro para verificarmos isso, vejam este trecho do MC Daleste: 

Hoje tem baile funk, me trajei no estilo e liguei no ID da bandida 
Quando der meia noite eu vou te buscar, convida suas amiguinhas, tá bom? 
Conta pra ninguém, também não pode tirar foto 
Quando amanhecer eu vô levar vocês pra dar um rolé de helicóptero 
A pegação é lá no ar, aproveita que nós tá bancando 
Enquanto geral tá dormindo, ninguém tá sabendo, mas eu lucrando, então 

refrão

Ostentação fora do normal 
Quem tem motor faz amor 
Quem não tem passa mal.

 

Em um passado não muito distante, quando a "esquerda" não estava no poder, havia um clichê muito comum no âmbito educacional repetido diariamente, ele dizia basicamente que:

Os governos não investem em educação e cultura porque são conservadores e querem conservar a ignorância em larga escala pois um povo burro é mais fácil de ser manipulado, o que lhes garante a manutenção do poder. 
 
Apesar de ser um clichê, esse pensamento político-educacional é verdadeiro.  Mas a pergunta que eu deixo no ar é: E hoje, esse pensamento ainda é  válido? Ou seja, vamos "conservar" as coisas como estão ? E não adianta passar a responsabilidade apenas para os governos estaduais e municipais, pois o projeto educacional brasileiro (se é que existe um) emana do Ministério da Educação para toda a nação.


Bibliografia:
ADORNO, T. Indústria cultural e sociedade. Seleção de textos Jorge Mattos Brito de Almeida. Traduzido por Juba Elisabeth Levy... [et a1.]. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
ADORNO, T. Crítica de la Cultura y Sociedad. (Obra Completa, vol. 10) Madrid: Akal, 2008.
HOBSBWAN, Eric (2002), “ A Era dos Extremos: historia breve do século XX. 1914-1991”, Lisboa: Editora Presença. MAQUIAVEL, N. O príncipe. São Paulo: Martins Fontes, 2004. 182p.
PLATÃO, A República (Da Justiça). Edipro. São Paulo. 2006.