quarta-feira, julho 02, 2014

O que está havendo com a crítica em nosso país?

Pai, por que aquela placa na calçada diz:”Brasil, país rico é país sem pobreza” se está cheio de gente pedindo esmola nas ruas ?”
Thomas, meu filho, com 7 anos de idade, em 2013

A pergunta que abre o texto mostra um pensamento crítico do meu filho de sete anos, é um pensamento em estado bruto dada sua idade, mas é crítico pois ele fez uma associação entre o que é dito no slogan do governo e o que é visto na realidade. Mas há algo que me chama a atenção e que é também objeto de preocupação no atual cenário político nacional: a depreciação do pensamento crítico em prol de um projeto de poder.


Aprendemos na escola e depois nas universidades (ou pelo menos deveríamos aprender) que é necessário não só repoduzir determinado conteúdo, mas também observar, analisar e se posicionar de forma crítica; algo pelo qual me arrisco dizer ser a marca do pensamento ocidental, sobretudo a partir de Sócrates, onde a nuance política ganha destaque na esfera do conhecimento.

Deste modo, a crítica não é um mero adereço, um hobby, um bibelô, um passa tempo ou mesmo uma catarse. A crítica é o que nós, enquanto animais políticos, possuímos para alterar a realidade, para mudar seu curso para criar e moldar sua trajetória, de modo que isso me permite dizer que o presente é feito criticamente, “aqui e agora”.

Contudo, estranhamente hoje há um contorcionismo conceitual promovido por artistas, intelectuais e militantes que dão apoio ao governo que entortam de tal maneira a ideia de crítica de modo que a mesma se confunde com o seu contrário: crítica e alienação confundem-se, de modo que quem hoje se posiciona de forma contrária às políticas do governo é alienado ou, nos casos mais extremos, radical. E isso se estende inclusive às vozes críticas que vem das ruas. Deste modo, seguindo esta lógica, nunca se é simplesmente e verdadeiramente “crítico”, mas sempre se é verdadeiramente alienado.

Obviamente há no cenário atual todos os tipos de crítica, das mais simples às mais complexas. Há críticas sem um objeto específico, no estilo de “contra tudo que está aí”, há aquelas que são na verdade reclamações superficiais que não alcançam a profundidade do problema e há aquelas falam alto, gritam mas são vazias e inócuas. Contudo, neste caldeirão típico da democracia moderna, há críticas que buscam a lucidez e o esclarecimento mas são postas junto às demais justamente porque não há interesse que se esclareça algo que, segundo o discurso de defesa, beira à perfeição, portanto não merece ser alvo de nada.


E aqui habita o cerne da minha preocupação, pois a atividade crítica está sendo conduzida a uma vala comum. Tanto faz se sua crítica é elaborada ou não, neste ambiente ela irá pra mesma vala de um Jair Bolsonaro, por exemplo. A atividade crítica ao governo tornou-se um novo tipo de sacrilégio político e tanto faz se você usa ou não usa o termo “petralha” (como no meu caso, onde eu não uso, pois tenho profundo respeito a muitos membros solitários do que eu chamo de “pequeno” PT, porque sei pessoalmente dos seus comprometimentos políticos, como no caso do Deputado José Ricardo, aqui em Manaus).

Tanto faz, seu posicionamento, por mais cordial e elaborado que seja, é lançado e batido no mesmo liquidificador relativista de onde sai a massa para formar termo “coxinha”, aplicado a todo e qualquer crítico ao governo, do velho revoltado na fila do banco, que pede a volta dos militares, ao liberal, que anseia por uma política menos paternalista às grandes corporações e que oxigene mais o mercado de possibilidades empreendedoras às pequenas empresas. Tanto faz, todos são “reaças”, coxinhas e de direita.

Qual o objetivo disso ? Trata-se de algo extremamente ruim para a sociedade brasileira, pois além de dividi-la, associa o exercício crítico de qualquer um que se oponha com retrocesso e torna essa prática propriedade exclusiva de governistas. Ao meu ver e sem exageros, um ato verdadeiramente reacionário. Por outro lado, isso revela que toda tentativa de esvaziamento à crítica mostra um claro interesse de que a mesma não prospere, pois todos nós sabemos, sobretudo os que operam contra, que ao final das contas cabe a crítica o poder de fazer cair as máscaras, muros, sistemas, cargos, políticas e governos.

Diante disso, talvez possamos concluir que quanto maior for o monitoramento maior é o medo de que a “casa caia”. Assim, a voz que vem das ruas é muitas vezes confusa? Sim. É também muitas vezes manipulada por grupos com outros interesses ? Sim, certamente. É uma voz que reclama em várias direções lhe faltando clareza e muitas vezes sendo contraditória ? Sim, é. Mas independente disso tudo, é algo que possui sua força, sua autenticidade e clareza em pelo menos um aspecto: revelar, não uma crise política, pois a voz das ruas é a própria essência da política, mas sim uma crise da representação político-partidária em nosso país, e isso não é só contra o governo, mas também contra ele.


De minha parte, ainda mais como filósofo, irei continuar apontando os problemas de forma lúcida e clara sem disseminar ódio. Pois essa demência diante dos pensamentos contrários é a prova de imaturidade política do governo  e também de quem é contra o governo mas não se dá ao trabalho de fundamentar suas críticas.

Um governo inteligente ouviria todas as vozes, sobretudo as contrárias, pois é na crítica que você pode realmente perceber suas falhas. Porém, o caminho mais fácil é o de colocar tudo no mesmo saco de trigo pra fazer coxinhas e e outros salgados, e o caminho mais fácil é geralmente a primeira opção dos incompetentes. 

Matheus Gondim de Freitas Pinto é filósofo com mestrado em educação, professor de filosofia na rede pública estadual, nano-empresário ou melhor, picolezeiro e músico amante de blues, rockabilly, rock n roll e jazz.